Suporte a HDR, 4k e poderio gráfico no geral são argumentos de venda repetidos à exaustão por desenvolvedores e jogadores como um mantra dos jogos modernos numa disputa que muitas vezes deixa de falar sobre o próprio game para evidenciar valores que pouco significarão no futuro, quando o avanço da tecnologia inevitavelmente deixar esses números para trás.
Mas até que ponto esses aspectos técnicos são os mais importantes da jornada de um videogame? O Shadow of the Colossus original de 2005, obra de Fumito Ueda e do Team Ico sobre caçar criaturas gigantescas para salvar um grande amor, rodava muito mal tecnicamente no PlayStation 2, mas não poderia ser descrito como nada menos do que uma aventura épica. Já ouviu falar na expressão “passar um elefante por debaixo de uma porta“? Era nítido que o hardware não havia sido projetado para rodar aquilo daquela forma e por isso a experiência acabava sofrendo com diversos “engasgos” que prejudicavam até mesmo a jogabilidade ao atingir quedas de menos de 15 quadros por segundo em momentos de maior exigência da antiga Emotion Engine, processador central que empurrava o segundo console da Sony. Mas a pergunta é: quem é que ligava pra isso naquela época?
Qualquer problema técnico era simplesmente apagado de nossa percepção ao avistarmos, encararmos e derrubarmos Valus, o primeiro dos 16 colossi que enfrentaríamos ao longo da jornada de Shadow of the Colossus. Se jogos especiais resistem ao teste do tempo, estes quando refeitos com os avanços da tecnologia moderna como um meio e não um fim entregam uma experiência que pode ser até superior à original. É o caso desse remake de Shadow of the Colossus para o PlayStation 4 que não só resolve todos os problemas de performance do PlayStation 2 como também entrega um dos jogos mais bonitos da geração, enquanto mantém tudo aquilo que nos encantou na aventura de 13 anos atrás.
A recriação do jogo ficou nas mãos do Sony Japan Studio e Bluepoint Games, estúdio parceiro da Sony responsável pelos trabalhos de remasterização do primeiro Gravity Rush e de Uncharted: The Nathan Drake Collection no PlayStation 4, além de terem trabalhado na primeira remasterização de The ICO & Shadow of the Colossus Collection, para o PlayStation 3. Até agora os trabalhos de remasterização da Bluepoint sempre aplicavam melhorias técnicas sobre os elementos do título original, dificilmente criando algo novo, mas atualizando o que já existia com aumento de resolução, melhores texturas e suporte às novas tecnologias. Com o novo Shadow of the Colossus a equipe foi além e descartou todos os elementos gráficos do jogo original, utilizando uma nova engine para recriar o game inteiro do zero.
O enredo não mudou. O jovem Wander deseja trazer sua amada de volta do mundo dos mortos. Para isso ele viaja até uma Terra Proibida e dentro de um sinistro castelo encontra uma entidade misteriosa que tem o poder de reviver os mortos, conhecida apenas como Dormin. Wander sela um pacto com a entidade e para reviver sua amada, ele deverá explorar a Terra Proibida nas costas de sua égua Agro, e matar seus habitantes: 16 colossi, criaturas míticas, milenares e gigantescas.
Cada colossus é uma criatura magnífica e única em sua forma e comportamento. Alguns são até pacíficos, e não demonstram nenhuma agressividade ao invadirmos suas áreas. Nós é que estamos buscando a briga aqui. A essência continua a mesma: Shadow of the Colossus ainda é um game onde você não desempenha exatamente o papel de um herói, mas sim uma espécie de guerreiro egoísta, como o jogo faz questão de explicar de forma mais clara desde o começo nesse remake. E confesso que novamente não pude deixar de me sentir mal em alguns momentos por fazer esse papel sujo de matar os bichos em minha jornada pelo game. A sensação de derrubar uma criatura única para satisfazer o seu desejo, carrega uma carga emocional que poucos jogos conseguem proporcionar. A mensagem ainda remete ao velho questionamento: “até onde você iria por amor?”
Essa essência também mantém-se nos objetivos. Enquanto os jogos modernos orgulham-se de encher os jogadores de tarefas, Shadow of the Colossus mantém a simplicidade do original numa jornada que envolve explorar o mundo seguindo o caminho apontado por sua espada na procura pelo próximo colossus, descobrir a maneira correta de abordar a criatura para só então atacá-la em seus pontos fracos e derrubá-la, tudo isso ao som da gloriosa e empolgante trilha sonora que retorna com a adição de mais músicos nas regravações.
Os controles receberam poucas mudanças, apenas a adição de um botão de rolagem e até mesmo a sensação e velocidade do controle da câmera e os ângulos das cutscenes foram recriados do original. Isso pode ser um problema para alguns pois a câmera do original não era das mais dinâmicas e o jogador tinha que se acostumar com a sua “teimosia” em retornar sempre ao ângulo original. Ainda que o jogo tenha sido refeito em todos os aspectos para ser uma cópia fiel do primeiro game, manter a câmera sem ajustes foi uma oportunidade de melhoria perdida.
No departamento gráfico Shadow of the Colossus ganhou uma roupagem moderna e estilo visual que remete ao realismo. Onde o original se parecia mais como uma pintura devido ao estilo artístico imposto pela limitação do hardware, o atual amplia o cenário do jogo dando vida as cachoeiras, vales, lagos e um vasto mundo habitado pela imponentes criaturas. Rodando em 1080p e 30 quadros por segundo no PS4 original e com modos Performance de 1080p e 60 quadros por segundo (melhor opção) ou Cinematográfico com maior resolução para as TVs com suporte a 4K no PS4 Pro, a obra de Ueda nunca esteve tão bem representada graficamente. Espere perder bastante tempo no novo modo de fotos, recheado de opções e filtros que também podem ser aplicados ao gameplay como um todo.
Esse é um daqueles raros casos onde um remake atualiza a obra original para as futuras gerações de forma extremamente caprichosa. Ainda que seja uma aventura de aproximadamente 5 a 8 horas, relativamente curta se comparada a duração dos jogos modernos, Shadow of the Colossus mantém no remake a essência do original e ironicamente melhora como um todo ao atualizar aquilo que a gente sabia que não era tão bom, mas que de forma alguma tirava o brilho da experiência. Me diverti muito nessa apaixonante viagem no tempo revisitando um clássico de 13 anos atrás com visual atualizado para a modernidade. Esse é um jogo que vai quebrar o seu ritmo e te transportar para um passado não muito distante onde os jogos eram menos complexos, mas não menos encantadores.
Pontos Positivos
- Recria a experiência do original sem problemas técnicos
- Sensação de escala impressionante
- Um dos jogos mais bonitos da geração
- Trilha sonora continua encantadora
Pontos Negativos
- A câmera teimosa do original continua aqui
- Não ter algum colossus novo talvez?