Shenmue I & II HD – Análise
“Ele irá aparecer de uma terra do extremo oriente do outro lado do mar. Um jovem que ainda não conhece seu potencial. Esse potencial é um poder que pode destruí-lo ou realizar sua vontade. Sua coragem determinará seu destino. O caminho que ele deve atravessar, repleta de adversidades, aguardo enquanto rezo por esse destino predeterminado desde os tempos antigos… Uma noite escura se desdobra com a estrela da manhã como sua única luz. E assim começa a saga…”
Ling Sha Hua
Shenmue I & II HD é uma compilação dos 2 jogos da série Shenmue que foram lançados originalmente para o Sega Dreamcast. A remasterização está disponível para Xbox One, PlayStation 4 e PC.
Shenmue está de volta e mal posso acreditar nisso, a “ficha” não caiu. Desde que foi anunciado a mais de 20 anos como Project Berkley ou mesmo Virtua Fighter RPG, sempre coloquei muita fé nesse projeto ambicioso de um dos melhores designers de jogos de todos os tempos, o lendário Yu Suzuki.
Yu Suzuki construiu sua fama através dos jogos de arcade e se destacou por trazer grandes inovações em seus trabalhos, tanto da forma de como jogamos quanto os visuais.
Nos anos 80 revolucionou os jogos de corrida com Hang-On e sua fluência, sem contar a própria máquina que simulava uma moto; ainda nos anos 80 ele assinou Power Drift que mostrava uma tecnologia impressionante de scaling de sprites; na década de 90 trouxe o primeiro jogo de luta totalmente 3D, o Virtua Fighter e a lista só aumenta.
Antes de Shenmue ele chegou a fazer jogos menores para consoles como Rent-A-Hero e Sword of Vermillion no Mega Drive, mas nada que se destacasse como os seus títulos de arcade. Em 1999 é lançado exclusivamente para Dreamcast (e que se manteve exclusivo até agora), Shenmue, um jogo que foi muito além do que os jogadores estavam acostumados a jogar, uma experiência interativa dentro de um pequeno universo e que custou uma fortuna para ser produzido.
Eu tive a oportunidade de jogar a versão japonesa de Shenmue, pois não aguentava mais esperar lançarem no ocidente. As revistas mostravam visuais inacreditáveis e em uma época com internet precária no Brasil, não tinha nem como ter uma ideia do que era Shenmue com vídeos, no máximo fotos minúsculas em baixa resolução.
Coloquei o disco 1 de 3 e meu queixo caiu até o chão com aquela introdução, os gráficos eram muito, mas muito melhores do que qualquer coisa que existia na época, mesmo os jogos de PC ou mesmo de arcades não chegavam perto. E além de tudo era super bem dirigido, as tomadas de câmeras, a coreografia da cena de luta entre Iwao Hazuki e Lan-Di, a dublagem com movimentos labiais que acompanhavam o que estava sendo dito e até as mãos com dedos separados fizeram esse que vos escreve, se emocionar.
Bastou essa cena acontecer para me tornar um fã, eu chegava a sonhar com os jogos e até mesmo com o futuro da série. Nem preciso dizer que terminei Shenmue incontáveis vezes e com essa versão HD maravilhosa, serão pelo menos mais algumas. Muita gente me pergunta o que tem de tão especial nesse jogo para ter jogado tantas vezes. A resposta? Existem coisas em Shenmue que só existem nele e em nenhum outro jogo, até hoje.
ENCONTRO COM O DESTINO
Shenmue começa com uma cena forte com o protagonista da história, Ryo Hazuki, testemunhando o assassinato de seu pai, Iwao Hazuki, a sangue frio por um homem chamado Lan Di, em sua própria casa.
Antes do assassinato, Lan Di questionou Iwao sobre um “espelho” e ele responde que nunca dirá onde ele está, porém Ryo aparece e Lan Di acaba ameaçando matar seu filho, chantageando-o. Iwao acaba se rendendo e diz que o “espelho” está enterrado sob a árvore de cerejeira no lado de fora do Dojo.
Sete dias depois desse acontecimento, compreensivelmente, Ryo, junto com quase todos os outros na platéia, sente a necessidade de embarcar em uma busca infernal para vingar o assassinato de seu pai.
Ao longo do caminho, você conhece a família, amigos e conhecidos de Ryo. As interações de Ryo com todos eles servem para aprofundar sua compreensão de que tipo de pessoa ele é. O mundo não gira em volta do nosso herói, desde que a tecnologia permitiu um jogo como esse existir, podemos sentir facilmente que ao controlar Ryo pela cidade, respiramos um “ar” de realidade.
As pessoas são como as que vemos nas ruas, elas têm rotinas, acordam todos os dias para trabalhar, algumas vão a pé, já outras precisam pegar condução, todas tem coisas para falar e no final do dia grande parte vai para casa, enquanto outras aproveitam e dão uma esticadinha em bares.
Como o jogo possui um ciclo de dia-noite, conseguimos vivenciar bem essas situações e em alguns momentos tirar proveito disso, pois a nossa missão envolve falar com pessoas perigosas que só aparecem de noite. Nem preciso dizer que do começo ao fim, os eventos de Shenmue são de fazer o jogador não querer parar de jogar, um personagem mais insano que outro vai aparecendo de forma constante e são pelo menos 20 horas para chegar nos finalmentes.
Conforme vamos avançando na história, aquele pequeno lugar em algum lugar do Japão se torna quase como nossa segunda casa e a saudade nos últimos momentos da aventura acaba aparecendo de forma sutil. Ainda mais porque no final de Shenmue, Ryo descobre que Lan-Di não está mais no Japão e decide ir para a China em busca da sua vingança.
O CÉU E A TERRA
A China é o cenário de Shenmue II, a sequência direta que trouxe um mundo ainda muito maior e mais detalhado que antes. No Japão a história focava em uma parte da cidade de Yokosuka, já o II nos leva para Hong-Kong, a famosa cidade que já pertenceu a Grã-Bretanha; Kowloon, uma cidade amuralhada cheia de prédios altos e que foi cenário de filmes famosos como O Grande Dragão Branco de Jean-Claude Van Damme e Gui-lin, uma floresta no interior do país onde Ryo encontrará a garota que vive aparecendo em seus sonhos.
Ou seja, se trata de um jogo bem maior e com acontecimentos muito mais marcantes. A primeira parte em Hong-Kong ainda lembra bastante o Shenmue, com bastante introduções e construção de personagem. Ao chegar na segunda parte, em Kowloon, o jogo se transforma completamente, parece que entramos numa caverna cheia de leões famintos e o ritmo fica frenético, sem sombra de dúvidas é o momento de toda a série que mais gostei.
Depois de toda tensão, luta e muito sangue, Ryo acaba indo para as florestas de Gui-lin e lá Shenmue II termina, de uma maneira que deixou todo mundo sem reação, um final abrupto e que deixa margem para uma suposta continuação que só foi anunciada 14 anos depois do lançamento do jogo.
Ou seja, os fãs ainda estão sem saber o que irá acontecer com Ryo e o que diabos são os espelhos que trouxeram tanta desgraça para a família Hazuki. Pelo menos até ano que vem, onde finalmente veremos o terceiro jogo desta saga tão querida.
O LUGAR ONDE O SOL SE PÕE
Shenmue I & II HD veio cheio de novidades, a primeira é obviamente a parte gráfica. O jogo agora roda em Full HD, com algumas melhorias como possibilidade de jogar em wide-screen, dando uma visibilidade bem maior nos cenários, o único problema disso é que as cenas de animação voltam ao formato das TVs antigas(4:3) pois foram pensadas originalmente desse jeito.
Para os puristas de plantão, dá para forçar o jogo todo a rodar no mesmo formato que era no Dreamcast e ainda remover melhorias de renderização, deixando o jogo com aquela cara de 1999. Além disso toda a interface foi reformulada para se adequar ao mundo da alta definição e os loadings que eram bem longos no original praticamente nem existem mais. Jogar Shenmue está ainda mais gostoso nessa versão.
Fiquei bem feliz também de saber que deram uma melhorada na skybox do primeiro jogo. A versão original do Dreamcast tinha um artefato de pontilhado que dava uma cara muito feia na imagem num geral, mas agora tá supimpa! Enfim, detalhes que só os mais doidos percebem e os fãs agradecem.
Taxa de quadros ficou fixada em 30 frames e os slowdowns foram praticamente reduzidos a zero. Para exemplificar, uma parte que fazia o Dreamcast tremer na base era num templo Shaolin em Hong-Kong, onde na entrada tem uns 10 monges praticando uma espécie de Kata em sincronia e agora nessa versão ficou tudo lisinho lisinho.
Para quem está jogando pela primeira vez, se imagine em 1999 e vendo um jogo desse nível rodando na TV, era surreal. Shenmue sempre será uma obra-prima da tecnologia.
A BANDEIRA DOS LEÕES
Com uma trilha sonora composta pelo mago do som, Yuzo Koshiro, Shenmue encantou jogadores com suas músicas melancólicas, arranjos de piano, instrumentos tradicionais japoneses e orquestra. Impossível não ficar com o tema da série tocando na cabeça, ou mesmo o tema da Ling Sha Hua, é uma melhor que a outra.
Para fãs de Jazz e Blues, só dar uma passadinha nos diversos bares espalhados pelo jogo para curtir um som que vai te levar de volta aos anos 80. A variedade de estilos é enorme e mostra como Yuzo Koshiro é um compositor versátil e extremamente talentoso.
Ainda no aspecto sonoro, é justamente nele que temos a parte mais fraca dessa coletânea que são as vozes. O original já tinha uma qualidade muito ruim, compactada, pois tinha que caber nos GDs do Dreamcast, essa mesma dublagem foi utilizada aqui e realmente seria um trabalho monstruoso regravar tudo.
Sem ter como fazer milagres, a SEGA pelo menos deu a opção de usar as vozes originais em japonês, que na minha opinião parecem ter uma qualidade um pouco superior, mas não tenho como ter certeza absoluta só de ouvido, teria que fazer uma análise mais minuciosa.
NOVE DRAGÕES
Shenmue combina aspectos de RPGs, Beat ’em Ups e jogos de ação; definido pelo próprio Yu Suzuki como um novo gênero FREE (Fully Reactive Eyes Entertainment). E isso é exatamente o que é, a primeira coisa que você percebe quando coloca os olhos na TV é o escopo dos jogos. Existem mais de 6 áreas diferentes disponíveis nos primeiros 10 minutos de jogo. No primeiro disco, você só precisará visitar cerca de 15 das áreas porém dentro das mesmas você pode abrir praticamente qualquer gaveta, porta, acender luz, abrir armários, usar o telefone,
Esta descrição da área de jogos é bastante básica, basta jogar e você verá que isso não é exagero. Mas esses pequenos locais não começam a brilhar até que você visite muitos deles e perceba que as lojas e as próprias casas têm personalidades. Tal como o Smoky, o isolamento do Majong Parlour, os alegres e coloridos restaurantes chineses, os bares de esquina ou de luxo. Todos eles têm sua própria atmosfera.
Não só são todos esses locais feitos com detalhes requintados, mas a cidade de Dobuita e Hong-Kong, separados pelo movimentado centro da cidade e áreas residenciais são da mesma qualidade. Você pode passear pelas ruas movimentadas no seu próprio ritmo, observando as casas, lojas e outros objetos que estão no jogo pela simples razão de fornecer escopo. Você pode até mesmo ir às lojas da cidade e gastar o dinheiro que recebe todos os dias. Realmente não há espaço suficiente nesta análise para descrever o tamanho do jogo.
Mas essas ruas não estão vazias. Na verdade, existem mais de 250 personagens individuais, todos andando pela cidade. Estes não são NPC bobos que andam por aí para apresentar um padrão de atividade. Cada uma dessas pessoas é completamente única, você não encontrará um modelo idêntico ao lado delas. Todos eles têm sua própria rotina também, alguns saem para as lojas no início da manhã, onde alguns só serão encontrados à noite. Precisa falar com alguém que é dono de uma loja, mas eles não estão em seu próprio estabelecimento? Porque são oito horas da noite, quem fica aberto até às oito? Você pergunta ao redor dos pedestres e encontra alguém que sabe que um determinado personagem costuma beber no MJQ Jazz Bar. Então você vai até lá, entra no famigerado bar e vê que o homem não está lá. Será que ele ainda está a caminho? Improvável, já que sua loja fecha às 5 horas (isso mesmo, cada loja tem uma abertura e um horário de fechamento). Ele não está lá porque é uma segunda-feira e só vai ao bar nos fins de semana.
Um pouco mais perguntando e você descobre que ele mora na Residência Yamamoto em Yamanose. Então você caminha até Yamanose, encontra a casa, bate na porta e aí está ele!
Para acompanhar este nível incrível de detalhes é o tempo totalmente interativo. Há um relógio no canto inferior direito da tela, quando você acorda, sai para uma manhã brilhante, não há uma nuvem no céu. Você assiste o sol passar sobre a cabeça. No meio do dia você está na cidade. Todas as sombras são pequenas ao sol e as pessoas estão indo e vindo em seus negócios pessoais. Quando o sol se põe sobre as colinas, as ruas começam a ficar vazias, isso é o suficiente para fechar o dia, então você volta para a casa da família e o céu é uma cor de chama alaranjada.
Quando você voltar, é noite e as estrelas aparecem. Entre na casa e às 10 horas você termina suas atividades e vai dormir. Você acorda na manhã seguinte, vai para fora e está chovendo. O céu azul de brigadeiro é substituído por nuvens escuras e as pessoas estão andando com guarda-chuvas. A chuva continua durante todo o dia, quer saber como estará o tempo amanhã? ligue para 117 em seu telefone de casa ou um telefone público público espalhados e obtenha a previsão do tempo.
Finalmente, se você está tentando avançar a história, mas não consegue encontrar o que fazer a seguir? Talvez porque são 10 horas da noite e todo mundo foi para casa, volte amanhã e você pode encontrar o que precisa ou dirija-se ao arcade para jogar jogos clássicos como Hang On ou Space Harrier, se desejar também tem dardos, brinquedos em cápsula, de boxe QTE, etc.
Inspirado totalmente em outro jogo de Yu Suzuki, o Virtua Fighter, Shenmue também conta com um sistema de combate bem complexo e que vai exigir concentração do jogador, especialmente no segundo jogo onde enfrentamos inimigos realmente poderosos. O controle é bem competente e quem tem alguma habilidade com jogos de luta vai entendê-los facilmente. Falando em controles, agora podemos controlar Ryo usando os direcionais analógicos, que por incrível que pareça no original éramos obrigados a usar o direcional(duro, por sinal) para se mover e o analógico para mexer a câmera, realmente eram outros tempos.
Não poderia esquecer dos famosos QTEs que se não fossem por Shenmue talvez nunca tivessem atingido tal popularidade. Bom que diferente dos jogos atuais, os QTE exigem reflexos muito rápidos, coisa de menos de um segundo, e nos momentos mais insanos de Shenmue II o bicho pega mesmo. Fora que são um show à parte, as cenas que envolvem-os são demais.
Me sinto privilegiado de poder estar vivendo nesse mundo novamente, a Sega deu oportunidade para todos agora podem experimentar um dos jogos mais incríveis e únicos que a indústria já produziu. Shenmue I e II são muito mais que jogos, são experiências. Faça um favor para si mesmo e compre essa coletânea.
Nos vemos em 2019 com Shenmue III!
Pros:
- 2 jogos lendários num pacote único
- Remasterização resolve alguns problemas gráficos do original
- Tempos de carregamento reduzidos
Cons:
- Vozes com qualidade ruim se mantém
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