Análises

Análise – Donkey Kong Country Tropical Freeze

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O melhor jogo da série
Donkey Kong: Tropical Freeze é uma obra prima, superior em todos os quesitos em relação ao seu antecessor do Wii.

O anúncio de Donkey Kong Country: Tropical Freeze para o Nintendo Wii U durante a última E3 deixou muitos jogadores frustrados, principalmente aqueles que desejavam um novo jogo da série Metroid. Faz sentido: mais um jogo de plataforma 2D em um sistema repleto deles. Não foi meu caso.

Apesar de improvável, diante do então recente lançamento do port de Returns para o 3DS, eu torci por uma sequência daquele que considero como o melhor jogo do Nintendo Wii: Donkey Kong Country Returns.  Felizmente, fui atendido e valeu a pena. Com Tropical Freeze, a Retro Studios mostra mais uma vez que é capaz de se reinventar a cada projeto e entrega um verdadeiro manual de level design e criatividade: um presente aos fãs da Nintendo e da antiga Rareware.

Tropical Freeze não é uma revolução, mas uma evolução. Ele muda para melhor tudo aquilo que já era muito bom em Returns. O esquema básico é o mesmo: passe das fases coletando as letras K-O-N-G para abrir fases secretas e as jigsaw puzzle pieces para abrir arte do jogo. Dessa vez o motivo para tudo isso é uma invasão dos Snomads, animais vikings que durante o aniversário de Donkey Kong invadem sua ilha tropical e o expulsam de lá, mudando o clima de lá de verão para inverno. Donkey cai em outra ilha, de onde terá que superar obstáculos até voltar para Donkey Kong Island e retomar o seu lar. Certamente não é uma história que deixará o jogador emocionalmente envolvido ou que ganhará Oscar, mas não é essa a proposta da franquia. No entanto, a história possui aquela mágica típica da Nintendo e por si só justifica o clima (literalmente) do jogo. Os inimigos possuem um propósito específico e são bem mais criativos e mais carismáticos que os genéricos Tikis do jogo anterior.

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GRÁFICOS

Em termos técnicos, os gráficos certamente não impressionarão os jogadores mais exigentes. Inicialmente anunciado que rodaria em 1080p, a Retro Studios acabou optando por sacrificar a resolução em troca de um gameplay mais fluido. Tendo em vista o gênero do jogo e a necessidade de movimentos extremamente precisos, a escolha se mostra mais do que acertada. Uma das grandes críticas ao port de Returns para o 3DS era quanto ao fato do jogo rodar a 30 frames por segundo, o que tornava ainda mais difícil um jogo que já é notoriamente desafiador, devido a menor precisão.  Isso não é problema aqui. Tropical Freeze roda a constantes 60 frames por segundo e conta com uma resolução de 720p.

Trata-se do primeiro jogo da série em HD e isso fica bastante aparente. A diferença em relação ao seu predecessor é notável, principalmente nas animações dos cenários de fundo. O novo jogo da Retro é tão rico em detalhes e tão cheio de pequenas referências que não é incomum jogar novamente uma fase e descobrir algo novo, que antes tinha passado despercebido. A atenção aos detalhes e a riqueza de imaginação na construção de cada fase colaboram para que o jogador sinta que está num mundo dinâmico, que está constantemente movimento. Tanto em técnica quanto em arte, Tropical Freeze supera em muito deu antecessor. É um jogo que faz um uso mais sofisticado das cores, que aqui estão tão bonitas e fortes que parecem ter sido influenciados por filmes feitos em Tecnicolor. Toda essa magia, no entanto, tem seu preço.

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O primeiro problema é que o jogo possui loadings significativamente longos, bem maiores que os de Returns. O segundo problema – exclusivo para quem optar pela versão digital – é que toda essa riqueza de detalhes é responsável por abocanhar 11 gigabytes do seu HD. Para se ter uma ideia do tamanho do jogo, Super Mario 3D World e The Legend of Zelda: Wind Waker HD possuem 1.7 gigabytes e 2.6 gigabytes respectivamente. No entanto, esses problemas são mais do que justificáveis tendo em vista o impacto direto dos cenários de fundo no gameplay e o fato de que as fases de Tropical Freeze são as maiores já vistas na série. O espaço é, portanto, bem aproveitado e o jogo não teria metade do impacto se não fossem por essas escolhas estéticas.

SOM

Uma das notícias que mais contagiou os fãs da trilogia Donkey Kong Country do Super Nintendo foi a volta do veterano britânico David Wise, um dos responsáveis pelas trilhas sonoras mais memoráveis da série, então produzida pela Rareware. A diferença entre a trilha sonora de Tropical Freeze em relação a Returns é gritante e este é sem dúvidas, o aspecto que mais evoluiu. Não que a trilha sonora de Returns seja ruim. Ela é até bastante competente. No entanto, em uma série reconhecida como uma das melhores nesse quesito, a impressão que fica é de decepção. Perto da trilogia do Super Nintendo, ela soa genérica. Com Tropical Freeze, isso não acontece.

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Além de remixes de clássicos como Aquatic Ambiance e Stickerbrush Symphony (esta segunda, infelizmente, um pouco decepcionante), as composições originais fazem sua parte com verdadeiras obras primas. Das novas músicas eu destaco a belíssima Scorch N’ Torch, a épica Homecoming Hijinx, o reggae tropical da música tema e principalmente minha favorita Grassland Groove, que parece ter saído do filme O Rei Leão. O mais legal de tudo é que as músicas – e também os efeitos sonoros – casam perfeitamente com as fases. Em algumas fases os objetos ao fundo dançam no ritmo da música, retirando a trilha sonora de um papel passivo e colocando-a como parte integrante e indissociável de um mundo vivo. Exemplos disto não faltam. Em uma determinada fase a marcação do ritmo é responsável por sinalizar ao jogador o tempo que leva para um inimigo arremessar um objeto. Já em outra fase, o som de um inimigo pulando de uma plataforma para a outra avisa o jogador de que em breve o chão onde ele pisa irá desaparecer.  É tudo integrado em uma experiência com foco em gameplay. E por falar nisso, que gameplay!

JOGABILIDADE

Nenhum feito técnico ou artístico seria relevante se Donkey Kong Country: Tropical Freeze não fosse tão fácil de controlar. Eu particularmente utilizei o gamepad. Tive um pouco de dificuldade de me adaptar no início, já que estava acostumado com a jogabilidade do Wiimote + Nunchuk, que foi a forma como joguei o Returns no Wii. A outra opção disponível é o Pro Controler, tida por muitos como a melhor.

Donkey Kong Country Tropical Freeze (1)Depois de muita prática (leia-se: morrer muito), me senti no completo controle dos personagens. Isso mesmo: personagens, no plural. Diddy Kong está de volta para ajudar Donkey Kong em mais uma missão e desta vez ele vem acompanhado de Dixie Kong e Cranky Kong. Cada macaco tem uma característica singular que o destaca dos demais. Mesmo assim, Diddy Kong e Dixie Kong são muito parecidos em jogabilidade. Ambos são capazes de pairar no ar com Donkey Kong por alguns segundos, ele com seu jet pack e ela com seu cabelo.  Essa habilidade é de extrema importância, principalmente em fases que exigem alto grau de precisão e reflexos rápidos. Dixie Kong ainda conta com um diferencial: assim que termina de pairar no ar, dá um pequeno impulso para cima antes de cair no chão. Isso faz com que Diddy Kong se torne quase que uma versão estragada de Dixie. Exceto no raro caso da fase contar exclusivamente com barris de Diddy, você dificilmente irá preferir ele a Dixie. Colocando de outra forma: Diddy Kong é inútil nesse jogo. O mesmo, no entanto, não pode ser dito de Cranky Kong. O controle dele é bastante diferente. Ele é capaz de usar sua bengala como um pogo stick, da mesma forma que o Tio Patinhas no clássico Duck Tales do NES. Outro diferencial dele é a capacidade de acertar inimigos debaixo d’água. Cranky Kong é uma excelente escolha para fases com espinho ou com inimigos espinhosos, já que ele é imune ao dano quando utiliza a sua bengala. Na maioria das vezes, no entanto, ele não é de muita utilidade, já que a maior parte das fases possui plataformas sobre abismos, que geram morte instantânea. É certamente um personagem com potencial para agradar os mais hardcores, no entanto. Muito se reclamou sobre a impossibilidade de controlar outros macacos além de Donkey Kong no modo single player. Não concordo com essa crítica. Por mais que o jogador nominalmente esteja controlando Donkey, quando acompanhado de outro macaco, na prática ele é controlado de forma completamente diferente. O rinoceronte Rambi está de volta, sendo mais uma vez o único animal buddy jogável. Sinceramente não sinto falta de nenhum outro, já que as do macaco e de Rambi já diversificam o gameplay o suficiente. Adicionar mais animais seria atirar pra todos os lados.

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Como em outros jogos da Nintendo, o jogador pode utilizar o gamepad para jogar sem precisar ligar a TV. A função do gamepad em Tropical Freeze para por aí.  Eu fiz isso uma única vez e me arrependi, pois é um crime jogar um jogo tão bonito e tão rico em detalhes assim em uma tela pequena. É uma pena, pois o gamepad já  demonstrou que pode ser utilizado de forma criativa em jogo como Rayman Legends e Super Mario 3D World. Ainda assim, isso é completamente perdoável, já que a proposta de gameplay intenso de Tropical Freeze não combina mesmo com o uso de uma segunda tela. Eu sinceramente não consigo me imaginar tendo que olhar pra tela em um jogo que exige tanta concentração e reflexo. Seria forçar de barra e felizmente, o Retro Studios não caiu nessa tentação.

Tropical Freeze é um jogo hardcore, que exige cuidado o tempo inteiro e consegue ser ainda mais difícil que Returns, que já era bastante brutal. As fases de Mine Cart e Rocket Barrel estão de volta e elas continuam difíceis, pra felicidade de jogadores masoquistas como eu. De todas as fases de Tropical Freeze, posso dizer sem sombra de dúvidas que as mais difíceis são as fases secretas “K” e os chefões, que estão incrivelmente bem elaborados e longos. Os chefes possuem múltiplas metamorfoses, de forma que quando você finalmente derrota um deles, as sensações são de recompensa e alívio. A dificuldade felizmente não é gratuita ou artificial. Apesar de bastante desafiador, tudo aquilo que o jogador precisará nas fases mais difíceis é apresentado e testado de antemão em um ambiente seguro, nas fases mais fáceis. Em momento nenhum o jogo introduz uma mecânica de jogo “de graça” e pede para o jogador “se virar”. É por isso que uma morte geralmente é resultado não de apelação por parte do jogo e sim por desatenção ou falta de habilidade de quem está jogando.

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De diferente de Returns temos a abordagem no que diz respeito aos jogadores casuais. Enquanto no jogo do Wii o jogador tinha ajuda do criticadíssimo Super Kong, que passava de fase para o jogador, em Tropical Freeze a proposta é outra. Aqui, o jogador pode contar com itens da loja de Funky Kong, tais quais balões extras de oxigênio, balões de vida, poção de invencibilidade, escudos para as fases de Mine Cart e balões que te salvam de quedas em abismos. Isso é ótimo, pois permite que o jogador casual busque ajuda para continuar o jogo sem necessariamente ter que ser levado pela mão por um computador. Aqui ele é estimulado a tentar e é munido de meios para que não desista. Outros itens da loja de Funky Kong são figurinhas de personagens do jogo (sorteadas aleatoriamente em troca de moedas) e o papagaio Squawks, que ajuda a achar as jigsaw puzzle pieces nas fases.

De novidade em relação ao Returns podemos destacar várias coisas. A primeira é a volta das fases aquáticas, como o leitor já deve ter percebido. Na verdade, temos uma ilha inteira com o tema aquático. No entanto, ao contrário do que acontecia em alguns jogos da trilogia original, dessa vez o ritmo é bem mais frenético e inclui até mesmo um contador de oxigênio que lembra aqueles do Sonic de Mega Drive. Donkey Kong não pode nadar por muito tempo sem tomar oxigênio em bolhas de ar estrategicamente posicionadas em torno da fase.  Se isso acontecer, ele perde corações rapidamente até perder uma vida. Isso vale também para o chefão, adicionando ainda mais dificuldade a um dos mais difíceis inimigos do jogo. Outra novidade é um movimento chamando Kong Pow. Após juntar um determinado número de bananas, o jogador (caso possua outro macaco) tem direito a utilizar o movimento para matar os inimigos presentes na tela. Isso facilita bastante o jogo no modo multiplayer, que continua muito parecido com o de Returns. Outro ponto a se destacar é que os mapas possuem, saídas secretas que levam para fases escondidas. É algo semelhante a Super Mario World, do Super Nintendo. Algumas saídas são bem óbvias e outras extremamente difíceis de achar. Este não é um jogo bonzinho com os completistas de forma alguma.

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A mudança mais dramática mesmo – e pra mim a mais positiva – foi a mudança de perspectiva do jogo. Em Returns tudo se passa num plano bidimensional. Em Tropical Freeze, a câmera muitas vezes muda de posição, o que afeta o gameplay de forma brilhante. Ela alterna entre um plano bidimensional e pseudotridimensional. Digo “pseudo” porque não chega a ser 3D em jogabilidade, somente visualmente. Isso não é defeito, muito pelo contrário: esse é justamente seu mérito. A forma como a câmera se move coloca o jogador em um ambiente 3D ao mesmo tempo em que o obriga a pensar com os mesmos controles fundamentais do jogo em 2D puro. Isso acontece principalmente em fases com mine carts, rocket barrels e barris comuns. Você na verdade está fazendo a mesma coisa que fazia antes, mas sob um ponto de vista diferente. É uma forma brilhante de diversificar o gameplay sem esvaziar seus fundamentos e descaracterizar o jogo. O sensação inicial é de estranheza, mas o “gimmick” funciona de forma brilhante.

O jogo possui, assim como o anterior, os modos Hard Mode (fases espelhadas e com direito a somente um hit) e Time Attack. Esse segundo conta com um novo diferencial. Desta vez é possível compartilhar e comparar o seu tempo com o de amigos e o resto do mundo através de rankings por fase. Além disso, pode-se baixar os replays dos tempos dos outros jogadores. Tudo isso é opcional. Eu me considero um jogador bastante habilidoso em jogos de plataforma e me senti uma porcaria diante dos jogadores mais viciados. Quem tiver a pretensão de colocar um tempo entre os melhores do mundo, seja em qual fase for, terá que se esforçar muito se quiser ficar entre até mesmo os 100 melhores. É certamente o desafio mais hardcore dentre aqueles disponíveis.Donkey Kong Country Tropical Freeze (24)

CONCLUSÃO

Donkey Kong: Tropical Freeze é uma obra prima, superior em todos os quesitos em relação ao seu antecessor do Wii. O jogo possui alguns defeitos, como os já mencionados tempos de loading e algumas escolhas questionáveis quanto ao posicionamento de alguns itens coletáveis. Ainda assim, o saldo é tão infinitamente positivo que seria desonesto comigo mesmo dar outra nota senão a máxima. É com sobras o melhor jogo da série. Se você já conhece a série, gosta de jogos desafiadores ou simplesmente sente saudades do tempo em que uma macaca montada em outro macaco pilotando um rinoceronte atropelando um pinguim (pausa pra respirar) era realismo o suficiente para um jogo de videogame, este jogo é pra você.

Daniel V.

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