Para qualquer pessoa na casa dos 30 anos, a mudança de geração dos consoles caseiros não é novidade. Pessoas como eu, que começaram a desenvolver a paixão por videogames na época do Atari e Odissey, estão acostumadas a uma mudança frequente de geração e ao nascimento e morte de novas empresas, tecnologias e formas de jogar. Também estão acostumadas a ver saltos enormes de qualidade técnica (o que não implica em menos diversão ou jogabilidade menos elaborada), porém, agora, os tempos são outros…
O Xbox 360, e com ele a geração atual de consoles, completa sete anos no final de novembro deste ano. O final de novembro também marca oficialmente o início da próxima geração com o lançamento do novo console da Nintendo: o Wii U.
Há muita polêmica cercando o lançamento do Wii U e eu, que andava criticando bastante a geração atual da Nintendo e bem descrente na geração seguinte, me peguei ansioso para a chegada do novo console. Antes de discutir os motivos desta mudança, irei introduzir quem é a Nintendo e porque ela é especial.
Pegando um gancho na estreia do último filme datrilogia “Batman: Cavaleiro das Trevas”, e na tentativa de evitar cansar o leitor, eu decidi dividir o artigo em três capítulos. Espero que o formato me permita colocar uma quantidade satisfatória de informação, embora qualquer tentativa de contar a história de uma empresa de 123 anos termine inevitavelmente incompleta. A maioria das informações foram tiradas da internet e do livro de Jeff Ryan sobre a Big N.
NINTENDO BEGINS
A Nintendo foi fundada em 1889 por Fusajiro Yamauchi. O nome Nintendo, que em japonês significa algo como “deixar o destino nas mãos do céu”, está relacionado diretamente ao negócio inicial da empresa: a fabricação de baralhos para um jogo chamado Hanafuda, aproveitando-se da superstição dos apostadores que costumavam usar um baralho novo a cada rodada, criando assim um bom mercado para os fabricantes.
Assumindo a empresa após um derrame do avô em 1949, Hiroshi Yamauchi tentou expandir os negócios da empresa de toda forma possível (táxi, motel, arroz), até finalmente decidir por se manter como fabricante e vendedor de baralhos e brinquedos.
Com o sucesso do Pong, da Atari, os arcades começaram a virar uma febre mundial e os baralhos, jogos de tabuleiro e brinquedos tradicionais começaram a perder força. Diversas empresas japonesas, como Taito (Space Invaders), Namco (Pac-Man), Konami (Frogger) e Hudson (Bomberman), estavam fabricando jogos eletrônicos e Yamauchi decidiu que a Nintendo também poderia e deveria se arriscar no novo mercado.
O primeiro videogame criado pela Nintendo foi um portátil que usava um inédito direcional em forma de cruz, e que nos anos seguintes ganharia uma tela dupla, que recentemente serviu de inspiração para o Nintendo DS. O produto foi criado por Gunpei Yokoi, que iniciou sua carreira na Nintendo dando manutenção em máquinas de fabricação de baralhos, e teve a ideia quando viu alguns funcionários brincando com a calculadora. O brinquedo foi batizado de Game & Watch e só foi descontinuado em 1991, deixando um legado de fãs e colecionadores considerável até hoje.
Após o sucesso do portátil, a evolução para os arcades ocorreu naturalmente. Lançando alguns jogos de relativo sucesso no Japão, Yamauchi, que sonhava em expandir mundialmente os negócios da empresa após uma visita aos EUA para discutir com a Walt Disney o direito de uso de suas personagens nos seus baralhos, conclui que era a hora do seu sonho se realizar. Estava na hora de começar seus investimentos nos EUA e o escolhido para tocar a filial americana seria o seu genro Minoru Arakawa. Em 1980, foi fundada a Nintendo of America, com quatro funcionários. A primeira tarefa que Yamauchi deu a Arakawa foi observar o mercado americano e descobrir que tipo de jogo faria sucesso na terra do Tio Sam. E o resultado, claro, só podia ser um: jogos de tiro.
Com o público-alvo estabelecido, a Nintendo começou a preparar três mil gabinetes de Radar Scope para enviar aos EUA. Radar Scope era um space shooter no estilo de Space Invaders, com o diferencial de que os inimigos davam alguns rasantes (o som dos rasantes é um dos barulhos mais irritantes da história do videogame) e era bastante difícil. Arakawa conseguiu vender cerca de um terço dos gabinetes recebidos – o que era o suficiente para cobrir os custos –, mas acabou com dois mil gabinetes encalhados em um depósito alugado que tinham dificuldade em pagar. Neste momento, Arakawa decidiu pedir ao sogro que fizesse uma aposta que transformaria a empresa: usar um kit de conversão que seria usado nos gabinetes empoeirados de Radar Scope para criar um novo jogo, evitando um alto investimento. Basicamente Radar Scope seria reprogramado. Alguns novos adesivos seriam colados no gabinete e um ou outro componente menor interno seria inserido, mas o grosso do investimento seria mantido. Arakawa queria reciclar Radar Scope, pagar as dívidas e provar ao sogro que ele fora uma boa escolha para representá-lo nos EUA.
Yamauchi decidiu fazer a aposta, mas não a ponto de colocar um dos principais desenvolvedores da empresa no projeto. Ele abriu um concurso interno entre os funcionários da Nintendo para tentar encontrar novas ideias. Um designer de gabinetes que nunca havia programado um jogo na vida surgiu com boas ideias e foi o escolhido. Seu nome: Shigeru Miyamoto.
NASCE UM HERÓI
Yamauchi queria um jogo baseado em Popeye – que estava em alta devido a um filme que estava sendo produzido na época, aproveitando assim, a propaganda gratuita – porém, desistiu quando percebeu o tempo que levaria para conseguir o licenciamento da marca. Aquele era um projeto urgente e deveria ser barato. Para Miyamoto, a questão de licenciamento do Popeye não era um problema, afinal, o que realmente importava era a mecânica do jogo. Brutus acabou virando um gorila, Olivia Palito, uma garota batizada simplesmente de Lady e Popeye, um carpinteiro batizado de Jumpman. De qualquer modo, alguém derrotaria o grandalhão para salvar a garota… Se não fosse a turma do Popeye, que fosse a turma de suas próprias personagens.
O jogo se passava em um prédio em construção. Miyamoto concluiu que, devido ao cenário, uma profissão adequada para o protagonista seria a de carpinteiro. Jumpman pularia obstáculos e objetos jogados pelo gorila para escalar a construção e salvar a garota. Ao criar Jumpman, Miyamoto colocou um bigode para demonstrar onde acabava o nariz e começava a boca, um macacão com uma barriguinha pra criar um corpo atarracado e dar mais ênfase ao rosto e um boné para facilitar a quase impossível arte de desenhar um cabelo com pixel art. Miyamoto queria que o inimigo fosse um gorila gigante e obstinado que não entregaria a garota tão facilmente. E, pra ele, nenhum animal era mais teimoso do que um burro. O nome do gorila, e do jogo, viria de uma fusão de King Kong (um sinônimo japonês para macaco grande) e da tradução em inglês da palavra “burro”: Donkey Kong.
Transformação de um gabinete clássico de Radar Scope em Donkey Kong :
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O kit foi enviado para os EUA e Arakawa começou a trabalhar na adaptação dos gabinetes, um a um, juntamente com os seus funcionários. Ele não gostava do nome Donkey Kong, que não fazia sentido em inglês, mas Miyamoto não aceitou mudar o nome. A batalha para mudanças de nome, porém, não foi toda perdida: Arakawa conseguiu alterar o nome da garota para Pauline, em homenagem à esposa do gerente do depósito onde os gabinetes foram estocados. Também conseguiu aprovação para mudar o nome do tal carpinteiro e herói do jogo. A inspiração surgiu quando o dono do depósito, um italiano gordinho de bigode chamado Mario Segali, interrompeu uma discussão sobre a mudança de nome de Jumpman com uma ordem de despejo para Arakawa na mão. Segali estava tão nervoso que parecia dar pulos no ar. O nome Mario foi escolhido em tom de brincadeira e, no final, todos acabaram gostando e aceitando, principalmente por ser um nome de fácil pronúncia no Japão, Europa e EUA.
O jogo foi um sucesso. Novos gabinetes azuis foram enviados e por fim fabricados nos EUA, e os gabinetes vermelhos usados na conversão viraram item de colecionador. Quebrar o recorde dos amigos virou uma obsessão… Não se tratava apenas de tiro e pontuação, o objetivo agora era salvar uma garota em perigo, trabalhar com a possibilidade de pegar o caminho mais curto e ganhar pontos por tempo, ou pegar o caminho mais longo e ganhar pontos com os itens. Havia uma história, havia uma motivação, havia uma estratégia. Além de tudo, era difícil, e jogadores detestam jogos fáceis… O recorde atual ao que parece pertence a Hank Chien, um cirurgião plástico formado em Harvard que filmou uma pontuação de 1.068.000 pontos no final de 2010.
Devido ao grande sucesso, as sequências apareceram. Em Donkey Kong 2, Mario é o vilão e DK Jr., o herói que tenta salvar seu pai de uma jaula. O jogo não tinha nada a ver com o primeiro e, apesar da primeira má impressão na inversão de papeis de mocinho e vilão, o jogo foi um sucesso. Os jogadores não relacionavam o segundo jogo com o primeiro, a imagem de Mario e DK não foram prejudicadas e Miyamoto já provava na época que o uso das personagens em vários jogos não traria desgaste, contanto que os jogos fossem bem distintos.
Donkey Kong e Donkey Kong Jr. lado a lado:
Na época, havia 60 mil arcades de Donkey Kong espalhados pelo mundo. Empresas começaram a procurar a Nintendo para licenciar DK para todos os tipos de produtos, como brinquedos, jogos de tabuleiro e, claro, videogames caseiros. A Atari e a Coleco tinham as melhores propostas e, apesar de financeiramente a proposta da Atari ser melhor, os representantes da Coleco demonstraram mais dedicação e interesse chegando a acampar no quarto de hotel de Arakawa esperando a confirmação do contrato.
Com a eminência do lançamento do Colecovision, que tinha como carro-chefe Donkey Kong, a Universal procurou os executivos da Coleco para uma reunião. A Warner Bros. já tinha comprado a Atari, o que fez parecer com que a reunião seria uma proposta de compra, ou pelo menos de investimento. Não era. A Universal chegou à reunião (com a presença do seu prodígio Steven Spielberg) e ameaçou destruir a Coleco se ela colocasse o seu console à venda com cartuchos de Donkey Kong, afirmando se tratar de uso indevido da personagem King Kong. A Coleco, desesperada para lançar seu console, cedeu e aceitou pagar uma porcentagem das vendas para a Universal. O mesmo aconteceu com diversas empresas que usaram a marca DK em outros produtos.
NINTENDO VS UNIVERSAL
A Nintendo também recebeu o comunicado e, após ouvir as ameaças da Universal, discutiu o assunto internamente e marcou uma nova reunião. Ao chegarem lá os representantes da Nintendo só reforçaram a posição já informada anteriormente. Nas palavras de Howard Lincoln, um dos executivos da Nintendo presentes na reunião com o Presidente da Universal, Sid Sheinberg:
“Sr. Arakawa e eu decidimos que desceríamos e simplesmente diríamos a ele [Sheinberg] que estávamos lá para dizer-lhe na cara que nós pagaríamos, se achássemos que tínhamos a obrigação, mas que tínhamos feito a nossa lição de casa e estávamos preparados para não pagar nada, já que não tínhamos feito nada de errado. Nós só queríamos essencialmente olhar na cara dele e dizer-lhe isso. Parecia a coisa digna a fazer. Como se viu, talvez Hadl (vice Presidente Jurídico da Universal e responsável pelo início do processo) o tenha levado a acreditar que havíamos descido para chegar a algum tipo de acordo monetário. E foi muito engraçado, porque não era o que ele esperava e sua reação foi de choque.”
O caso, claro, foi parar no tribunal. O advogado da Nintendo convocou um advogado de tribunal bem-sucedido chamado John Kirby. Com um pouco de pesquisa, Kirby descobriu que em 1975 a Universal havia processado a RKO, produtora do King Kong original, alegando que a patente havia caducado e a personagem já era de domínio público, já que o filme original era de 1933. A Universal ganhou e não precisou pagar os diretos para o novo filme à RKO.
Com essa história vindo à tona, o que aconteceu no tribunal foi uma humilhação. O juiz destruiu a Universal afirmando que, em primeiro lugar, King Kong não era da Universal. Em segundo lugar, mesmo que King Kong fosse propriedade da Universal, Donkey Kong não era uma cópia de King Kong e, mesmo se fosse, seria considerado uma paródia, o que é legal. E mais, todas as empresas que foram forçadas a pagar uma quantia para a Universal teriam o direito de processá-la. Porém, havia sim uma quebra de patente: o jogo King Kong da Tiger, licenciado pela Universal, era uma cópia descarada de Donkey Kong e, numa inversão no melhor estilo dos filmes de tribunal americanos, a Universal saiu do julgamento condenada a pagar royalties à Nintendo.
King Kong da Tiger: Clone descarado de Donkey Kong:
Quanto ao advogado John Kirby? Claro que ele não poderia deixar de ser reconhecido. Além de um bolso cheio de dinheiro e o direito exclusivo de uso da marca Donkey Kong em veleiros, John Kirby recebeu uma grande homenagem da BigN. Em 1992, a Nintendo criou uma personagem rosada e redondinha para jogos infantis batizada de Kirby. A lenda diz que uma cópia do jogo foi enviada a Kirby que, além de se sentir lisonjeado, se divertiu muito com a homenagem.
Com a ajuda de um presidente que pensava grande, um representante nos EUA que faria de tudo para provar seu valor ao sogro e um despenteado designer de gabinetes de 29 anos que gostava mais de Beatles e música country do que de videogames, a Nintendo saiu de Quioto aos EUA para derrotar uma das maiores empresas do mundo no ramo do entretenimento. Agora a Nintendo era grande, internacional, respeitada e tinha dinheiro. Pra muitas pessoas isso seria o bastante, mas não para Yamauchi. Ele queria mais, e novamente o mercado americano seria tanto o seu maior desafio quanto a sua maior vitória.
O respeitado advogado John Kirby:
Continua…
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