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4, dez 2024
FANTASIAN Neo Dimension
8.5
Uma carta de amor aos JRPGs do passado

Apesar de alguns probleminhas, Fantasian é uma experiência memorável. Eu adorei o jogo, mesmo que a dificuldade extrema e alguns tropeços narrativos possam não agradar a todos. O combate criativo e os personagens cativantes me prenderam, e a jornada pelo mundo de Vibra ficará na minha memória por muito tempo. Dito isso, eu hesito em recomendar Fantasian sem ressalvas. Se você for parte do público-alvo – alguém que valoriza desafios e é apaixonado por RPGs clássicos – encontrará um jogo extraordinário aqui, mas caso contrário talvez seja melhor esperar uma promoção.

FANTASIAN Neo Dimension é um dos melhores jogos que joguei este ano. Mas eu não recomendaria jogar Fantasian a menos que você pertença a um grupo muito específico de jogadores de RPG.

Talvez isso seja um começo estranho para uma análise, eu admito, mas esse é o mesmo desafio que enfrentei ao tentar articular minhas impressões sobre o que pode muito bem ser o último projeto da lenda da indústria Hironobu Sakaguchi. Como abordar um jogo onde aspectos fundamentais do design podem ser um veneno para um público mais amplo, mesmo que essas decisões não sejam, em si, falhas – e, na verdade, podem ser bem-vindas por um tipo específico de jogador? Desafios, por si só, não tornam um jogo ruim, e acredito que há espaço na indústria para RPGs de todos os tipos. O problema, ao invés disso, vem de como partes de Fantasian podem parecer atrativas para um público amplo, apenas para algumas filosofias de design cruciais restringirem severamente quem realmente aproveitará o jogo como um todo.

Um RPG desafiador

Fantasian originalmente foi lançado em 2021 exclusivamente para aparelhos da Apple, em seu sistema Apple Arcade. Por não possuir meios de jogá-lo, sempre acreditei que a Mistwalker decidiria futuramente lançar esse game em outras plataformas e em 2024 finalmente os donos de um PS4, PS5(versão dessa análise), Xbox Series, Switch e PC poderão curtir as aventuras de Leo de uma forma mais acessível.

Mas antes de se empolgar saiba que Fantasian é um RPG muito, muito difícil. A porção inicial linear do jogo não apresenta muitos problemas, e você consegue progredir até a segunda metade, inspirada claramente pelo “World of Ruin” de Final Fantasy VI, onde os jogadores são encarregados de enfrentar desafios no seu próprio ritmo. Nesta segunda parte, o mundo é aberto para exploração, com várias missões disponíveis em qualquer ordem.

Esse é Leo, o protagonista dessa aventura.

Enquanto a primeira metade do jogo ensina o básico do sistema de batalha e dos personagens ao longo de 15 a 20 horas, as últimas 30 a 40 horas exigem execução quase perfeita para enfrentar chefes. Muitos deles demandam estratégias muito específicas e combinações únicas de personagens. E embora descobrir como derrotar cada chefe seja divertido, entender a solução não torna as batalhas fáceis. Você precisa encontrar a brecha certa para criar uma chance de vitória, ao invés de uma solução universal que simplifique o desafio. Bem, caso prefira o jogo também conta com um seletor de dificuldade, porém não recomendo baixar muito a dificuldade pois perde bastante da graça.

Combate como um quebra-cabeça

Cada chefe em Fantasian possui mecânicas únicas, que frequentemente levam em conta tempo, posicionamento e trajetória dos ataques. O sistema de combate, baseado em turnos, introduz elementos como ataques físicos em linha reta e magias que podem ser curvadas para contornar inimigos. Além disso, certas habilidades e estratégias são essenciais para enfrentar chefes específicos.

Por exemplo: um chefe lateral memorável exige que você use a habilidade de um personagem para sugar grupos de inimigos e posicioná-los em uma área específica, de forma que o chefe possa ser atacado sem provocar uma explosão que danificaria toda a equipe. Outro chefe demanda que você combine ataques elementais com as cores dos cavaleiros que ele invoca, para mitigar o dano que eles causam.

O sistema de batalha é genial, porém desafiador.

Essas mecânicas tornam cada batalha um quebra-cabeça, e você precisa considerar a composição certa da equipe e o equipamento adequado para cada situação. Isso começa de forma simples, mas se torna brutalmente desafiador à medida que você avança. Quando as missões exigem que seus personagens estejam no nível 40 ou mais, a dificuldade aumenta drasticamente – e nunca diminui.

Arte e narrativa: o contraste com a dificuldade

Apesar da dificuldade implacável, Fantasian é um jogo com uma identidade visual e narrativa impressionantes. Seu mundo é composto quase inteiramente por dioramas 3D escaneados, uma abordagem única que remete aos cenários pré-renderizados da era do PS1. A direção de arte é deslumbrante e cada localidade parece uma obra de arte tangível.

Além disso, o jogo introduz “Memórias” – seções curtas no estilo de visual novels, que oferecem histórias de fundo emocionantes sobre o mundo e os personagens. Elas são semelhantes aos “sonhos” de Lost Odyssey (outro jogo de Sakaguchi), e adicionam profundidade aos momentos mais marcantes da trama.

Que visual, né? Os dioramas deram vida a essa obra.

Embora a história de Fantasian tenha seus momentos sombrios, o cerne de sua identidade está nas conexões entre os personagens e no impacto que têm uns sobre os outros. É uma história comovente, contrastando com a brutalidade do combate. Esse contraste, no entanto, pode causar certa desconexão para alguns jogadores.

Tecnicalidades

Como disse no começo da análise, o jogo foi feito pensado nos dispositivos móveis da Apple como iPhones e iPads, portanto espere algumas esquisitices provenientes dessa origem, mais voltado pra parte de interface mesmo. Dentro do jogo em si temos um visual bem limpo, em 4K e rodando à 60 quadros sem uma única queda de frame, pelo menos eu não presenciei isso. Apesar dos dioramas trazerem uma originalidade aao visual, algumas telas estão extremamente borradas e mais parecem os backgrounds de jogos pre-renderizados da época do PS1 e tenho certeza que isso não foi intencional.

O uso inteligente do desfoque é uma das coisas que mais gostei da parte artística.

Os modelos poligonais são bem simples, porém funcionam para a proposta do título, se bem que depois de ver o que a Mistwalker fez em The Last Story, num aparelho obsoleto como o Wii, dava pra esperar mais de Fantasian nesse quesito.

VEREDITO

Apesar de alguns probleminhas, Fantasian é uma experiência memorável. Eu adorei o jogo, mesmo que a dificuldade extrema e alguns tropeços narrativos possam não agradar a todos. O combate criativo e os personagens cativantes me prenderam, e a jornada pelo mundo de Vibra ficará na minha memória por muito tempo. Dito isso, eu hesito em recomendar Fantasian sem ressalvas. Se você for parte do público-alvo – alguém que valoriza desafios e é apaixonado por RPGs clássicos – encontrará um jogo extraordinário aqui, mas caso contrário talvez seja melhor esperar uma promoção.

David Signorelli
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